Negócio de família

"O leite proporcionou estudo aos meus filhos"


Nascida em São Domingos, município localizado há 90km de Chapecó, a produtora de leite não tinha como negar suas raízes. Seus pais, Darci e Celina Marmentini, eram pequenos agricultores que criavam animais para consumo próprio, entre eles uma vaquinha. O leite sempre esteve presente em sua casa e, mesmo após o casamento, continuou assim. No interior do Brasil a tradição é que depois de casados os noivos passem a morar com os pais do noivo até conseguirem juntar uma quantia boa para baterem as asas e saírem do ninho. Com Donizete foi assim, mas ela levou junto uma lembrança dos pais. Um bezerro que lhe deram de presente e que, posteriormente, se tornaria sua primeira vaca leiteira.

Passados três anos de casamento, já com o primeiro filho, André, estava na hora de mudar de ares e buscar melhores oportunidades. Marido e mulher partiram para uma outra linha do município com o filho e a vaquinha. E assim se passaram alguns anos, até que uma uma proposta para trabalhar com gado de corte fez a família se mudar novamente. "Nenhuma das vacas era leiteira, mas era necessário ter uma, pelo menos para consumo", conta Donizete. Nesse momento foi feito o primeiro investimento, uma vaca leiteira, "e das boas", lembra a produtora.

Donizete posa orgulhosa em seu jardim, seu hobby | Foto: Albino Pomagerski
Donizete posa orgulhosa em seu jardim, seu hobby | Foto: Albino Pomagerski

O investimento estava dando certo pois, além do consumo, sobrava leite até para a produção de queijos. A qualidade do produto era tamanha que o patrão pediu a Donizete que aumentasse a produção. Em quatro meses foi preciso uma segunda vaca, para dar conta de todos os pedidos. Essa foi a primeira renda de Donizete que, desde pequena, vivia rodeada da produção de leite. Ela conta que a sensação foi de orgulho, de ter conseguido "chegar lá". Como notícia boa se espalha rápido, o queijo ficou conhecido na região, e assim ela passou a vender no mercado do patrão. "Estamos falando de meados de 1995, nessa época era permitida a fabricação artesanal, sem a inspeção de um órgão de controle", explica.

Donizete comenta que depois disso, foi tudo muito rápido. De repente a quantia de vacas aumentou, bem como a produção de leite. Ela não conseguia mais se dedicar a produção de queijos. O foco passou a ser produção de leite. 

"A venda do leite aumentou ainda mais a renda e, nessa época, eu recebia a metade do que meu marido ganhava, o que era bastante", relembra Donizete.

Os braços fortes de Donizete denunciam o começo do seu pequeno negócio. Toda a produção da família era feita manualmente, nada era mecanizado porque a propriedade não tinha acesso à luz elétrica. Ela recorda que o leiteiro vinha pela manhã, mas o leite era tirado à noite. Para não estragar, ele era colocado dentro de uma caixa d'água e tampado. Para aumentar ainda mais o desafio, a maioria das vacas eram da raça Nelore e Tabapuã, que não são indicadas para a produção de leite, e sim para gado de corte. Até serem domadas o processo foi longo.

As condições de vida melhoraram e novas oportunidades surgiram. A família se mudou para outra propriedade, dividida entre a suinocultura e a bovinocultura de leite. A produção atingiu o ápice. Donizete passou a receber o mesmo que o marido, que agora não era mais o único responsável pelas contas do mês. O orçamento foi dividido e o dinheirinho que sobrava era guardado. Em alguns meses foi possível comprar uma ordenhadeira, iniciando um novo capítulo no pequeno - mas nem tanto - negócio da família.

Assim que nasceu a segunda filha, Andressa, a família se mudou de novo. Foram para um município maior, Quilombo, e passaram a trabalhar com avicultura e suinocultura. Tinham apenas uma vaca que, infelizmente, era só para consumo. Menos de um ano no novo lar eles começaram a se questionar sobre a vida que levavam e a saudade do interior. O futuro que parecia melhor na cidade grande, não era o objetivo da família. Decidiram voltar para São Domingos, "na cara e na coragem", conta a produtora. Nesse período, a família comprava leite pois a vaca da família não produzia como antigamente.

"Um dia meu marido chegou em casa gritando, dizendo que uma vaca estava entrando em trabalho de parto e que o bezerro já havia morrido. Quando cheguei para vê-la, estava calma, e conseguimos ajudá-la. Ela era dócil, então passamos a tirar leite", relembra. Aos poucos o negócio voltou a dar certo e assim a família voltou a ativa. Além do leite, produziam queijo e o vendiam. As vacas logo aumentaram, então foi necessário construir uma estrebaria pois, como antigamente, o leite era retirado manualmente e em um local improvisado. Da mesma forma que começaram, o leite era congelado depois de ser retirado, para não estragar. A família não tinha um resfriador. Donizete conta que foi difícil, mas que sabiam que conseguiriam crescer. "Se conseguimos uma vez, conseguiríamos de novo", confidenciou.

A produção de leite transformou a vida da família e empoderou Donizete | Foto: André Pomagerski
A produção de leite transformou a vida da família e empoderou Donizete | Foto: André Pomagerski

E assim aconteceu. Usando a criatividade eles improvisaram e passaram a armazenavam o leite em baldes e litros de refrigerante. Foi adquirido um resfriador de imersão que também ajudou. A família somava 12 vacas e somente mãe e filho cuidavam da ordenha. Depois de algumas economias, adquiriram uma ordenhadeira para facilitar o processo. O filho precisava ir para a faculdade e o negócio não podia parar.

"Não sei ao certo quando tudo deu certo, talvez quando construí minha nova estrebaria. Chamo ela de sala de ordenha. É mais chique", relata com carinho. Depois de uma vida de dificuldades e sem desistir do leite, esse ouro branco que mudaria a vida da família, o negócio estava dando certo. As vacas agora eram de raças adequadas, Holandesa e Jersey. O leite representava 60% da renda mensal. Tudo estava conforme as normas de inspeção e armazenados de forma correta. Mas isso não era o mais importante. A segunda filha estava indo para faculdade também. A nova renda permitiu que os dois filhos estivessem estudando, motivo que emociona - e orgulha - Donizete.

A sala de ordenha é o xodó da agricultora | Foto: André Pomagerski
A sala de ordenha é o xodó da agricultora | Foto: André Pomagerski

Atualmente, a produtora tem 20 vacas e sua produção mensal se aproxima dos 9 mil litros de leite. No fim do mês, o resultado é positivo. A renda do leite ultrapassa 70% do salário da família. Os números fazem Donizete aconselhar outros pequenos produtores. "Eu sempre digo: invista no leite, é uma renda que sempre vem. Todo mês o dinheirinho é garantido".

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Juliane Bee - julianebee@unochapeco.edu.br
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